Saúde
Cirurgia plástica
A vida repaginada dos portadores de síndromes genéticas
Pais permitem que filhos façam plásticas e acreditam que cirurgias podem melhorar a vida das crianças, mostra reportagem de VEJA desta semana
Mariana Amaro
MAIS UM MOTIVO PARA SORRIR - Paula Werneck fez redução de
mamas e um tratamento nos dentes que durou quatro anos. No fim dele,
chorou de felicidade: “Estou mais bonita”
(Ernani D'Almeida)
Se existe uma área em que a humanidade comprovadamente avançou foi no
tratamento de pessoas com diferenças decorrentes da formação genética.
No caso dos que nascem com síndrome de Down, a forma de situá-los no
tecido da sociedade e as modalidades de tratamento terapêutico, da mais
simples à altamente complexa, trouxeram avanços importantes.
Fonoaudiólogos aperfeiçoam a fala e cirurgiões cardíacos corrigem os
problemas no coração que afetam 50% de todos os que têm a síndrome.
Instrutores de ginástica dão exercícios físicos para reforçar o tônus
muscular rebaixado e psicólogos ajudam a lapidar as habilidades
cognitivas. A expectativa de vida de quem tem Down aumentou de 30 para
60 anos e a participação dessas pessoas na vida social também cresceu
visivelmente. Mais recentes e menos comentados são os procedimentos
estéticos que suavizam desalinhos físicos típicos da síndrome e também
contribuem para aprimoramentos funcionais. Compreensivelmente, existe um
intenso debate sobre a conveniência desse tipo de tratamento.
Paula Werneck é uma carioca de 25 anos que toca bateria, joga vôlei e
trabalha em uma cantina. Sua vida melhorou em muitos aspectos. Até cinco
anos atrás, ela sofria de dores de cabeça e só comia alimentos moles
por causa dos dentes frágeis e pequenos. Quando a arcada dentária
superior encostava na inferior, seu maxilar era todo projetado para a
frente. Daí, as dores. Levada pela mãe, durante quatro anos a jovem
passou por um tratamento que aumentou em 4 milímetros cada um de seus
dentes. Com o maxilar reposicionado, o pescoço e o queixo de Paula
ganharam novas curvas. O lábio superior também foi reposicionado e até
as dobras de pele embaixo dos olhos, outra característica da síndrome,
ficaram mais suaves. As dores de cabeça sumiram e o sorriso de Paula
ficou mais iluminado ainda. Antes do tratamento dentário, ela já havia
se livrado das dores nas costas com uma cirurgia de redução de mamas.
“Algumas pessoas da minha família falavam que eu estava fazendo minha
filha sofrer, que eu tinha de aceitá-la como ela era. Fui em frente
porque sabia que isso ia fazer minha filha viver com mais qualidade”,
diz a arquiteta Helena Werneck, mãe da jovem. “Eu fiquei mais bonita”,
comemora Paula, que chegou a chorar de felicidade ao ver no espelho o
resultado das intervenções. Ela está namorando pela primeira vez.
PAIS CORAGEM - Charlie Cardillo comemorou o resultado da correção nas
orelhas, mas seus pais foram acusados de tentar “esconder” a síndrome
Corrigir orelhas de abano que causam embaraço às crianças ou diminuir
os seios de adolescentes vergadas pela exuberância mamária não são
intervenções que provoquem repúdio social. “Por que com a minha filha
seria diferente?”, indaga a mãe de Paula. Pensando da mesma maneira, o
corretor de imóveis Louis Cardillo e sua mulher, Samantha, americanos de
Nova York, sofriam com a rejeição sentida por seu filho mais velho,
Charlie, 15, cada vez que ele era chamado de Dumbo pelos colegas -- um
tormento para quem tem Down, como ele, e para quem não tem. “Charlie não
gostava das orelhas e falava que tinha vergonha das meninas”, relata
Samantha. Um cirurgião plástico conhecido da família se ofereceu para
fazer a operação. “Tínhamos forte a lembrança da cirurgia que Charlie
havia feito com 1 ano, para corrigir uma cardiopatia. Quase desistimos
quando pensamos em enfrentar de novo o medo da anestesia”, relembra a
mãe. Tomaram a decisão com o pedido do filho. “Foi uma alegria quando
tiramos os curativos. Ele sorriu, chorou e disse que estava igual ao
pai.” Dias depois, Samantha e Louis receberam e-mails de pessoas que não
aceitavam a cirurgia e os acusavam de tentar “esconder” a condição do
filho.
A cirurgia para orelhas de abano é a mais comum em jovens com Down.
“Além de corrigir as orelhas, faço um mini-lifting no rosto desses
pacientes de maneira a puxar a pele para cima. Caso contrário, a orelha
cai de novo”, diz o cirurgião plástico Juarez Avelar. Como a intervenção
é apenas estética, uma parcela grande de médicos critica a prática.
“Quem tem Down carrega no rosto um carimbo. É preciso mudar o jeito,
cheio de constrangimento, como as pessoas olham para quem tem a
síndrome. Não mudar o rosto deles”, diz Ana Brandão, pediatra
especializada em crianças com Down do Hospital Albert Einstein e mãe de
Pedro, 17, que tem a síndrome. “Muitas dessas cirurgias são dolorosas e,
acredito, desnecessárias.” Entre as mais dolorosas está a de redução da
língua, em razão da quantidade de terminações nervosas. Protuberante
nos portadores de Down, ela tende a ficar para fora da boca. Há estudos
que mostram que a cirurgia melhora a respiração, a fala e a mastigação,
mas as divergências permanecem.
Os sentimentos de proteção dos pais, intensificados com os filhos
especiais, e a discussão ética sobre a necessidade de certas
intervenções são fatores que desaparecem no caso de cirurgias funcionais
necessárias para portadores de outras síndromes genéticas, como a de
Crouzon e a de Apert. Quando um bebê nasce, os seis ossos que formam o
topo do crânio estão separados para que o cérebro tenha espaço para
crescer. Esses ossos começam a se fechar no primeiro ano de vida. Em
crianças com Crouzon e Apert, uma ou várias das fendas entre os ossos se
fecham antes do tempo. Para compensar o espaço perdido, o cérebro
cresce em outras direções e provoca deformidades na cabeça e no rosto. A
cirurgia para mantê-las abertas precisa ser feita antes dos 2 anos de
idade. Do contrário, a criança terá problemas cognitivos, de fala e de
crescimento. “Colocamos molas entre esses ossos para garantir que a
fissura não se fechará antes da hora de novo”, explica a cirurgiã
plástica Vera Cardim, do Hospital Beneficência Portuguesa. Depois de um
ano, as pequenas molas são retiradas em nova cirurgia.
A sorocabana Thais Barbosa, 19, nasceu com Crouzon e sua cabeça teve um
crescimento anormal para trás, o que fez com que os ossos do rosto
ficassem “afundados”. Quando completou 2 anos, Thais passou por uma
cirurgia para implantar as molas. Também teve fios de aço acoplados à
arcada dentária superior. Presos, internamente, a ossos do rosto, os
fios forçavam a mandíbula e o nariz para a frente. No último ano, Thais
fez mais duas operações, de cunho estético, para reposicionar o olho
esquerdo, redesenhar o queixo com autoimplante de gordura e “puxar” os
ossos da face. Valeu o sacrifício. “Mudei muito e arrumei um emprego,”
responde Thais. “Antes, as pessoas ficavam me encarando e cochichando..."
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