Uma escola para todos
Ao incluir alunos com deficiência, a instituição escolar muda sua perspectiva de mundo, ajuda professores a repensarem seu papel e contribui para a construção de uma nova geração - aquela que sabe que, entre as diferenças, todos somos iguais...
Maria Fernanda Vomero
Há mais de duas décadas e meia, a Constituição brasileira prevê a
inclusão de alunos com deficiência nas classes comuns, estabelecendo
igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola. Embora
ainda existam resistências, essas crianças deixaram de ser "invisíveis",
não se encontram mais "escondidas" e já ocupam seu espaço no ambiente
socioeducativo. Os resultados preliminares do Censo Escolar de 2012
indicam, mais uma vez, aumento nas matrículas em educação especial na
rede pública. Mas, para que sejam incluídas de fato, e não se tornem
meras figurantes de um sistema e sim protagonistas do próprio
aprendizado, é fundamental que a instituição escolar reveja suas
premissas.
Segundo os resultados preliminares do Censo Escolar MEC/Inep de 2012,
o Brasil ampliou em 7,64% o número das matrículas em educação especial
na rede pública em relação ao ano anterior, passando de 584.124 para
628.768 matrículas. Os dados finais de 2012 para a rede particular de
ensino ainda não foram divulgados, mas em 2011 foram registradas 163.409
matrículas de alunos com deficiência em estabelecimentos privados - 20%
delas em escolas inclusivas, as demais (130.798) em instituições
exclusivas e classes especiais.
A gradual presença de alunos com deficiência no ensino regular
frequentando classes comuns ao lado de outros estudantes colocou em
xeque a escola, como instituição, e revelou quão conservador era o
sistema de ensino em vigor até então. Além disso, mostrou também como a
própria formação de professores para a Educação Básica estava
contaminada por clichês e estereótipos e respondia insatisfatoriamente
às necessidades de todos os estudantes. "O aluno com deficiência é o
grande bode expiatório de um processo de formação docente em alguns
momentos fracassado e de uma estrutura escolar que precisa ser
modificada", diz Fabiana Stival Morgado Gomes, gerente de educação
inclusiva da Secretaria de Educação de Santo André (SP). "Ele propicia
essa mudança, revela onde a escola tem de se renovar - e não para
favorecer só essa criança, mas para aprimorar o aprendizado de todos os
alunos. Temos uma escola que se mantém igual e reproduz modelos e
movimentos há anos, e uma sociedade que pede um ensino muito mais
dinâmico. Um professor com maior rigidez, que não enxerga essa escola em
outro contexto, responsabiliza o aluno com deficiência", afirma ela.
O dilema do professorFigura
essencial para viabilizar a educação inclusiva, o professor da sala
regular é quem inicia, na prática, o movimento de acolhida da criança
com algum transtorno ou deficiência. Não se trata de um trabalho
simples. Afinal, se por um lado pairam sobre esse professor exigências
vindas de várias instâncias (direção, rede de ensino, MEC, famílias...),
por outro, é ele quem está no contato diário com os estudantes,
acompanhando seus progressos, descobrindo a singularidade de cada um e
estabelecendo com eles uma relação de confiança. Por isso, é
compreensível que, diante de uma criança autista, cega ou com
comprometimento motor, por exemplo, algum docente possa pensar: "tenho
de dar conta de ensinar esse aluno e não sei o que fazer para que ele
aprenda". E, então, rapidamente - e de modo equivocado - conclui: "não
estou preparado". "Existe o mito de que, na universidade, vamos
conseguir preparar integralmente o professor para sua prática. Não
vamos, porque a prática educativa é riquíssima. Nunca os faremos capazes
de atuar sabendo o que vai acontecer no futuro. Afinal, a situação numa
sala de aula é sempre imprevisível", afirma Leny Magalhães Mrech,
psicanalista e coordenadora do Núcleo de Estudos de Psicanálise e
Educação (Nupe), da Faculdade de Educação da USP.
Segundo ela, certas ideias ultrapassadas ainda influenciam o
comportamento de professores do ensino regular. Até início dos anos
1980, por exemplo, acreditava-se que uma criança com deficiência
intelectual não pudesse ser alfabetizada, nem conseguisse aprender. "Por
conta disso, nem se oferecia à criança a possibilidade de ter contato
com materiais de leitura e escrita. Hoje se sabe que essa postura é
totalmente equivocada", diz Leny. "Porém, muitos professores ainda olham
essas crianças como se elas estivessem em defasagem. Não escutam a
criança; escutam o próprio preconceito."
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